domingo, 11 de maio de 2008

Fair Play


Lanie era uma garota ímpar, capaz de fazer qualquer coisa pelo bem e conforto do outro. Batalhadora, dona da própria vida, era bonita e feliz. Extremamente sociável e agregadora. Sempre era ela quem organizava as reuniões dos amigos. E nunca esquecia de dar atenção a ninguém. Os homens se encantam com ela. As mulheres sucumbiam à tamanha empatia que, naturalmente, emanava da moçoila.
Um dia, contrariando até mesmo suas próprias expectativas, Lanie se apaixonou por um rapaz. Ronaldo era exatamente o oposto de Lanie. Quieto, reservado, reacionário e um tanto quanto machista.


Apaixonada, Lanie viu sua independência e auto-suficiência irem por água a baixo. Não conseguia mais ser feliz sem a presença do seu amor. Não conseguia fazer suas festinhas costumeiras sem que Ronaldo estivesse presente.
Ronaldo, por sua vez, desconhecia a palavra tato. Se não gostava de uma amiga ou amigo de Lanie, fazia questão de deixar isso muito claro para todos. Algumas vezes até criava brigas sem sentido no meio das comemorações. E Lanie, cegamente apaixonada, tudo ponderava, sempre relevando os vexames que Ronaldo dava em nome do amor que sentia por ele.
Já o amor que Ronaldo sentia era regido por um signo maior: O ciúme. Tal qual os primitivos machos neanderthais, metaforicamente falando, Ronaldo arrastava Lanie para a caverna sempre que se sentia ameaçado em ter que dividir a atenção de sua amada com outra pessoa. Lanie era sua e de mais ninguém.

E Lanie representava bem o papel de fêmea enamorada, portanto submissa, como fora ensinado às mulheres desde os primórdios. Embora constrangida com os vexames que Ronaldo promovia em público, não conseguia imaginar-se sem o seu amor. Portanto, preveria crer que os rompantes exacerbados do rapaz logo passariam.
Por meses a fio, Lanie viveu unicamente por Ronaldo e para ele. Mudou de cidade, afastou-se de amigos queridos, já que os ciúmes de Ronaldo, e também a distância de sua cidade natal, assim o pediam. E assim Lanie começou a esquecer de si. Vivia a vida de seu amado muito mais que a sua própria. Tudo que ele queria era mais relevante que seus próprios desejos e necessidades.
Lanie não media esforços para deixar Ronaldo contente.
Lanie fez todas as concessões que Ronaldo lhe sugeria, direta ou indiretamente. Mudou hábitos. Afastou-se de amigos. Tudo em prol do amor que nunca antes sentira. E nem foram escolhas tão difíceis assim. Ter Ronaldo naquele momento era o que bastava para ela. Por seu amor, para mantê-lo consigo, Lanie tudo faria (e realmente o fez).

Mas a vida é sarcástica. Tantas concessões foram apagando o brilho de Lanie aos olhos de Ronaldo: Ronaldo não encontrava mais em Lanie a moça independente, sociável e inquieta, que vivia cercada de pessoas, dos tipos mais distintos possíveis, por quem se apaixonara. Lanie agora se mostrava para ele como um ser apático, sem vontade própria. Ronaldo então percebeu seu grande equívoco: Contraditoriamente, combatera e aniquilara na moça exatamente aquilo que despertara nele a paixão arrebatadora por ela. E a paixão fora embora no momento que Lanie, antes altiva e independente, começara a agir como uma súdita que tudo acata e obedece.

E, enquanto Lanie planejava toda uma vida em comum para ambos, Ronaldo só pensava em uma maneira de tornar o fim menos doloroso. Mas a coragem de Ronaldo, bicho-homem viril e volúvel, não o acompanhava quando o assunto era sentimento. E ele adiou o tempo que pode o fim, que em seu ser já restara decidido.
Algum tempo depois, o rapaz, enfadado por não conseguir uma maneira mais nobre para se desvencilhar do compromisso, começou a mudar de comportamento. Tornou-se ranzinza, reclamão, mal-humorado. Talvez uma estratégia inconsciente para que Lanie decidisse por ele dar fim aquele moribundo relacionamento.

Lanie, teimosamente apaixonada, tentava sem sucesso mudar aquela situação. Tentativas vãs: Ronaldo cada dia se fechava mais e mais. Lanie, por não conseguir enxergar as incongruências do seu amado, começou a culpa-se pelo desconforto que sentia na relação. E se culpando, Lanie sem saber, transformava-se mais e mais no ser subserviente e concessivo que exterminara a paixão de Ronaldo.
Um dia Ronaldo, inundado de admirável coragem, de supetão disse a velha e batida frase: 'Não dá mais!'. E pediu para que Laine saísse de seu apartamento. Laine não queria acreditar. Perdeu o chão. Entre lágrimas ponderou, negociou, jurou que mudaria o que estivesse errado caso ele lhe desse uma chance, apenas mais uma.

Contudo a cena, longe de comover ou reativar a paixão adormecida de Ronaldo, irritava-o profundamente, causando-lhe uma vontade urgente de correr, ir para o mais longe possível de Lanie. Na verdade, Ronaldo estava cansado. Cansado do amor incondicional de Lanie, que tudo cedia e nada exigia.

E enquanto Ronaldo fugia súbito e apressado do apartamento, fechando a porta atrás de si, Lanie, num lapso de tempo e sem pestanejar, atirou-se da sacada da sala do apartamento. E ambos fugiram da morte do amor.

3 comentários:

Unknown disse...

"Eventuais semelhanças com pessoas ou fatos reais terão sido mera coincidência."

Anônimo disse...

Coincidências parciais com essa história são muito menos do que incomuns...

De Marchi ॐ disse...

Pu-ta-qui-pa-riu!
Ótima, Teyla. :)
Durante o texto eu tinha me preparado pra escrever aqui> "espero que, livre dele, ela volte a brilhar". Mas não deu tempo...
Tu acaba de descrever, em maior ou menor grau, a história de milhões.