segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Inacabadas

Houve tempo em que eu tinha centenas de cartas. Eu sempre adorei escrevê-las.Brigava com minha mãe, escrevia uma carta longuíssima para ela sobre minha insatisfação e tudo mais. Ficava decepcionada com uma amiga, novamente a caneta e o papel tornavam-se meus confidentes.

Escrevi muitas cartas. Mais do que posso lembrar. A maioria para uma única pessoa. Todas escritas sem a mínima intenção de enviá-las. Era um tipo de catarse. Algumas vezes comprava presentes também. Coisas como um livro, um cd, um bonequinho com a carinha do Chico Buarque. Presentes para alguém que morava distante. E também nunca os enviei.

Todavia as cartas eram o problema. Isso porque eu sempre voltava a relê-las. E quando isto acontecia eu sentia todas as decepções, todas as tristezas, todos os sonhos interrompidos assaltarem-me com uma força grotesca e lacerante. Tudo novamente ali, naquelas palavras. Havia mais dor nisso do que se possa pensar.

Como se eu guardasse todos os sentimentos em papel e tinta. Os sentimentos, que ali grudavam, hibernavam por um tempo a espera de sua dona. E ela sempre voltava para ressenti-los. Tantas vezes quantas possíveis...

Um dia percebi que essa catarse que inventei, não era catarse, era memória perene. Pura, bruta e imutável, porque gravada, selada e jamais enviada. Nesse dia queimei todas as cartas. Abri todos os presentes e os roubei para mim. Mas ainda hoje a memória, essa amiga da lucidez,, ainda me prega peças; tantas vezes faz-me reler todas aquelas idiotas cartas que não mais existem, como um scanner infalível que não se pode destruir, que não se pode queimar, porque não físico.

Em minhas lembranças, leio letra por letra, ponto por ponto tudo aquilo que escrevi no passado - e que as chamas deveriam ter extinguido para sempre. Revivo, relembro, re-sinto lágrima por lágrima tudo aquilo que há tanto ocorreu, do que deveria ter passado, e também daquilo que jamais ocorreu. Do que ficou impresso unicamente em um desejo insatisfeito e nas palavras.

Se a finalidade de uma carta é chegar a seu destino, a seu destinatário, as minhas, estas piégas, cafonas e sentimentalóides cartas, todas ficaram inacabadas. Como inacabada hoje eu me sinto - e sou.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Post-it



(Recado deixado por mim no blog do meu amigo Denuxo e que eu percebi gritar verdades minhas que por muito tempo mal pude ouvir).

Eu que 'grito' diuturnamente, aqui dentro tô mais para 'A Solitária', que afinal, se não catártica, ao menos poética. Pesquei em teu texto algumas mensagens criptografadas (espero decodificá-las -se não em seu todo, ao menos em parte)e em ocasião futura 'regurgitar' sobre elas. Contudo não me furto a dizer que, se somos apenas mais um coadjuvante na imensa multidão que compõe nossa própria história, que ao menos possamos (descumprindo às ordens do diretor desse filme trash) olhar para a câmera e dar um risinho de soslaio quando esta, incidentalmente, nos focar.

A vida é um drama shakespeareano inacabado. Perdemos tempo tentando dar o melhor de nós, o mais ético, o mais moralmente aceitável, a fim de criar um enredo que sirva de molde às próximas gerações, enquanto a platéia se dispersa, boceja e urge pelo fim do espetáculo. Não há fórmulas, esquemas, macetes. Nem há 'o melhor'. Há diferentes cenários, atores distintos, mas o enredo, com raras exceções, quase sempre se repete. Queremos crer que construímos nossa história, Contudo, tantas vezes somos desconstruídos por ela, senão tragados.

Se nossa história de vida se assemelha a mais uma refilmagem barata de um clássico 'Cukorniano', que ao menos sejamos maximamente intensos, inclusive nas dores. Farte-mo-nos de vida. Afinal, nada mais sub-humano que a superficialidade...